O Brasil foi o grande ganhador do Leão de Ouro na Bienal da Arquitetura de Veneza

Celebrando a arquitetura do Brasil

Por Luiz Paulo em 27/05/2023 às 16:14:19

Paulo Tavares e Gabriela Matos com o Leão de Ouro - Fonte CAU-BR

Com alegria recebemos nessa semana algumas notícias muito valiosas. O grande destaque da coluna é que o pavilhão do Brasil foi premiado na Bienal de Veneza em 2023. O projeto chamado de Terra, dos curadores Gabriela de Matos e de Paulo Tavares conduziu o Brasil pela primeira vez a distinta honraria.

O júri afirmou que o prêmio foi concedido por que foi feita uma pesquisa e intervenção arquitetônica que centralizou as filosofias e imaginários da população indígena e negra na procura de modos de reparação.

Realizado pela Fundação Bienal de São Paulo em parceria com o Ministério da Cultura e o Ministério das Relações Exteriores, a intervenção "propõe repensar o passado para projetar futuros possíveis, destacando atores esquecidos pelos cânones arquitetônicos". Partindo de uma reflexão entre o Brasil de ontem, o de hoje e aquele porvir, a mostra coloca a terra no centro do debate tanto como poética quanto elemento concreto no espaço expositivo. O pavilhão inteiro foi aterrado para colocar o público em contato direto com a tradição dos territórios indígenas e quilombolas, além dos terreiros de candomblé.

"Muito obrigada, povos indígenas", disse a arquiteta Gabriela de Matos, fazendo o agradecimento em português quando subiu ao palco para receber o prêmio. O Leão de Ouro foi entregue pelo ministro da Cultura da Itália, Gennaro Sangiuliano, e pelo presidente da Bienal, Roberto Cicutto, neste sábado (20/05), no palácio Ca" Giustinian, numa cerimônia que marcou a abertura da 18.ª Exposição Internacional de Arquitetura – Bienal de Veneza, que ocorre na cidade italiana sob o tema O Laboratório do Futuro, com curadoria de Lesley Lokko.

Fachada moderna do pavilhão brasileiro na Bienal de Vezena (CAU-BR)


Tavares manifestou-se surpreso com o prêmio e disse que projeto Terra reflete o que se passa no Brasil, em particular com os povos indígenas, "num momento de reconstrução", porque "são eles que mantêm a terra unida". "Trata-se de reparação, restituição, reconstrução. Trata-se de reconhecer outras formas de conhecimento, outras formas de arquitetura que, como dizemos no pavilhão, se tornaram centrais para enfrentar a crise climática global e podem-nos ensinar outra forma de relação com a terra", declarou o arquiteto.

A mostra conta ainda com a participação de mais colaboradores: povos indígenas Mbya-Guarani; Tukano, Arawak e Maku; Tecelãs do Alaká (Ilê Axé Opô Afonjá); Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Casa Branca do Engenho Velho); Ana Flávia Magalhães Pinto; Ayrson Heráclito; Day Rodrigues com colaboração de Vilma Patrícia Santana Silva (Grupo Etnicidades FAU-UFBA); coletivo Fissura; Juliana Vicente; Thierry Oussou e Vídeo nas Aldeias.

A Ministra da Cultura Margareth Menezes, que estava presente na cerimônia de abertura do Pavilhão do Brasil, discursou: "Estamos muito felizes com este prêmio que recoloca o Brasil no cenário mundial da arquitetura com a mostra Terra, exposição que traz para a Bienal de Veneza as origens do nosso país. Parabéns aos curadores Gabriela Matos e Paulo Tavares, e a todos que trabalharam no nosso pavilhão. E parabéns ao Brasil! Viva a cultura brasileira".

ENTRADA E PRIMEIRA GALERIA

Logo na entrada da mostra, percebe-se o contraste dos elementos de habitações populares brasileiras com os traços modernistas do prédio, caso dos gradis com o símbolo sankofa – pertencente a um sistema de escrita africano denominado Adinkra, dos povos acã da África ocidental, que foi muito usado nos desenhos de gradis, comum na maioria das cidades brasileiras, e significa "olhar para o conhecimento de nossos antepassados em busca de construir um futuro melhor".


Pavilhão do Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza 2023 resgata a ancestralidade e histórias apagadas. Foto: divulgação

Chamada pelos curadores de De-colonizando o Cânone, a primeira galeria do pavilhão modernista questiona o imaginário em torno da versão de que Brasília, capital do Brasil, foi construída em meio ao nada, uma vez que indígenas e quilombolas que habitavam o lugar já eram retirados da região desde o período colonial, sendo finalmente empurrados para as periferias com a imposição da cidade modernista.

Nesse contexto, as obras que preenchem a galeria vão da projeção de um trabalho audiovisual da cineasta Juliana Vicente e criado em conjunto com a curadoria, passando por uma seleção de fotografias de arquivo, organizada pela historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, ao mapa etno-histórico do Brasil de Curt Nimuendajú e o mapa Brasília Quilombola.

SEGUNDA GALERIA

Batizada de Lugares de Origem, Arqueologias do Futuro, a segunda galeria recepciona os visitantes com a projeção do vídeo de Ayrson Heráclito – O Sacudimento da Casa da Torre e o Sacudimento da Maison des Esclaves em Gorée, de 2015 – e se volta para as memórias e a arqueologia da ancestralidade.

Ocupada por projetos e práticas socioespaciais de saberes indígenas e afro-brasileiros acerca da terra e do território, a curadoria parte de cinco referências essenciais: Casa da Tia Ciata, no contexto urbano da Pequena África no Rio de Janeiro; a Tava, como os Guarani chamam as ruínas das missões jesuítas no Rio Grande do Sul; o complexo etno geográfico de terreiros em Salvador; os Sistemas Agroflorestais do Rio Negro na Amazônia; e a Cachoeira do Iauaretê dos Tukano, Arawak e Maku.

Foto: Rafa Jacinto/Fundação Bienal São Paulo

Segundo a curadoria, a exibição demonstra o que várias pesquisas científicas comprovam: que terras indígenas e quilombolas são os territórios mais preservados do Brasil e, assim, aponta para um futuro pós-mudanças climáticas em que "de-colonização" e "descarbonização" caminham de mãos dadas.

"A Mostra Internacional de Arquitetura da Biennale di Venezia é um espaço privilegiado para o debate das questões mais urgentes em arquitetura e urbanismo , campo que, em última instância, reflete sobre nossas dinâmicas de vida a partir do uso e compartilhamento de espaços comuns, enquanto sociedade", reflete José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, em entrevista para Casa Vogue.

Segundo a publicação, a mostra é uma boa oportunidade para, em tempos de grandes desafios globais, dar visibilidade a pesquisas e práticas que podem contribuir para a elaboração coletiva de um futuro melhor.

Zion
Luxhoki